quinta-feira, março 03, 2005

O insustentável peso de uma ressaca

O que é, na bebedeira, que nos fascina? Será a alienação? Será, como pretendia Baudelaire, a libertação face ao peso esmagador do tempo? Ou será, numa perspectiva completamente idiota (mas que postulamos!) a desinibição fácil proporcionada fisiologicamente pela substância em questão? Para ser sincero, não sei. Talvez seja tudo isto, ou então nada disto. Mas se o estado de bebedeira é bom, então deveria ser constante. Devia ser como o Ser parmenidiano: não foi nem será; simplesmente é. Assim poderíamos surfar constantemente numa sucessão alienada de agoras. É claro que nessa altura não poderíamos falar, em sentido próprio, em "eu". A identidade dissolver-se-ia como o sal na água a ferver. Mas que importaria, se fosse essa a situação desejável? Estaríamos num registo do qual eu só posso falar por suposição, por isso vou-me calar. Aliás, só tenho um leitmotiv (e bem mesquinho) para estar a falar disto: é que se o estado de bebedeira fosse constante, não teríamos ressaca. E eu estou bem ressacado. Oh, como estou ressacado! E o raio da ressaca tolhe-nos as ideias, confunde-nos as prioridades e impõe-nos um mal estar físico que se não tivermos cuidado passa a existencial. Mas que coisa chatinha, sinceramente. Hoje sinto-me tão miserável que até vou fazer aquela promessa que todos os bêbedos fazem nestas condições - nunca mais bebo! (Isto, claro, enquanto me sentir assim, que é a única condição na qual a afirmação faz sentido.)