quinta-feira, dezembro 29, 2005

Blogosfera

Sociedade aberta, pelo menos do ponto de vista da liberdade de expressão, aquela em que vivemos. Sociedade pós-moderna e tacteante, em busca de si na realidade refractária dos múltiplos indivíduos que a compõem. Sociedade que cada vez mais se expressa em blogs, onde a expressão felizmente ainda é livre. Sociedade que aos poucos se vai libertando dos seus traumas ancestrais e superando a sua timidez, o seu medo de existir e se expressar, se abrir à realidade do mundo e dos outros. Sociedade composta por um povo tradicionalmente poeta, mas estruturalmente tímido. No entanto, pelo menos aparentemente, esta timidez parece estar a implodir.

Dentro da míriade de manifestações que podem ocorrer num blog, uma parece ganhar particular força - aquela que toma a forma de um diário íntimo paradoxalmente exposto à opinião pública. Que as fronteiras entre o público e o privado se encontram esbatidas, difusas e móveis não é novidade para ninguém. Sabêmo-lo desde o advento dos paparazzi e dos reality shows. Mas o que é que pode explicar esta transmutação radical do valor de um diário? Tradicionalmente, o diário era o espaço privado da narrativa própria, da reflexão livre de pressão do exame alheio, era o espaço onde se podia verter sem medos ou complexos tudo aquilo que o frágil meio que constituía uma trémula mão a fazer rabiscos num papel com um lápis gasto permitia. E por isso, para as gerações do passado recente, a forma de registo fáctico escolhida para albergar essa expressão dos abismos da alma humana expressos pela épica pessoal era nada mais que um caderno preto, ou o famoso livro em branco. Se por trás de cada escriba de um diário se escondia um desejo insconsciente e não assumido de exposição, isso é outra questão. Se isso acontecia, pelo menos esse desejo não era assumido. Não pendurávamos o nosso diário na sala de estar para que alguém o lesse como se estivesse a ler a nossa vida. Ora, creio que é seguro afirmar que isso mudou.

Hoje escreve-se sobre a vida pessoal para se ser lido. Essa escrita pode assumir um carácter mais ou menos enigmático, de maior ou menor exposição, consoante a identidade do autor que bloga é mais ou menos explícita. Mas a exposição da frustração e dos demónios interiores está lá. O que significa isto? Será que perdemos vergonha de nós próprios e de nos assumirmos tal e qual somos? Significa isto que doravante seremos uma orgulhosa montra translúcida de experiências íntimas, sem nada a esconder? Será que se anuncia o fim da hipocrisia e do jogo social, a destruição da máscara, o triunfo da genuinidade?

Ou será que estamos apenas sozinhos, tão sozinhos que numa sociedade massificada e anónima onde o recurso ao convívio directo é cada vez mais escasso, a única solução que nos resta é um grito tão mais tímido quanto audível aos quatro ventos?

Não estará meio mundo à espera que a dada altura, sem se saber como nem porquê, o anúncio de que não estamos sozinhos se faça sentir através de um tímido e singelo comentário a um post, que nos diga algo como "Compreendo-te"?

1 Comments:

Blogger FEBC said...

"Compreendo-te"

10/1/06 9:37 da tarde  

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