Boas Festas
Segundo o Público os portugueses terão enviado cerca de 320 milhões de sms's na véspera de natal deste ano, o que dá em média algo como 27 mensagens por pessoa. Ou muito me engano ou estamos perante um novo fenómeno de massas, típico e caracterizador da mentalidade lusitana. Somos um povo pródigo na afeição que sentimos pelo pequeno e tornado indispensável objecto que é o telemóvel. Temos uma taxa de penetração da referida maquineta acima da média europeia, e fomos dos primeiros países acometidos pela telemóvelmania.
O observador inocente e bem intencionado tenderia a interpretar este notável fluxo comunicativo de sms's de Boas Festas como um sinal de proximidade agregadora. Tender-se-ia a louvar tal esforço, fruto quiçá de um notável fervor religioso ou pelo menos de uma preocupação genuína pelo próximo, pelo seu bem estar como pelo dos seus familiares. Tudo se passaria como se cada português se tivesse tornado subitamente num Pai Natal das comunicações móveis, distribuindo bem estar pelas caixas de correio dos seus semelhantes. Este observador até tenderia a dizer que o emissor atarefado realmente se preocupou com aqueles a quem desejou a melhor das quadras natalícias.
Pela minha parte, não me furto à responsabilidade de ter contribuído para o referido fluxo. Devo ter sido cotado bem próximo da média de utilizadores que enviou cerca de 27 mensagens nesse dia. Mas devo confessar que fui menos activo que reactivo. Tendi a responder a mais mensagens alheias do que a elaborar, por iniciativa própria e espontânea, felicitações enviadas por sms. É que tenho um n.º limitado de amigos próximos, daqueles com os quais genuinamente me preocupo e aos quais me dou ao trabalho de desejar o melhor do mundo. A verdadeira amizade tem que ser cultivada e constantemente reactivada por actos que a revitalizem, tais como... o envio de mensagens de natal. Mas fiz questão de responder a quase todas as que recebi. No entanto, se ao início me alegrava com cada pi pi emitido pelo telemóvel, cedo comecei a desanimar quando reparei que a esmagadora maioria das mensagens que recebia pura e simplesmente... não era dirigida especificamente a mim. Comecei a reparar que recebia imensas mensagens que não referiam o meu nome ou qualquer característica que pudesse indiciar que aquela mensagem não era algo como uma forma estereotipada enviada a 50 outros contactos. E recebi mensagens de pessoas de quem não tinha tido qualquer tipo de notícia (e será que assim o tive?) durante anos, de quem já nem sequer tinha o contacto. No entanto, curiosamente, essas pessoas não tiveram para comigo o tipo de curiosidade genuína que caracteriza alguém que está a contactar pela primeira vez em muito tempo um antigo amigo. Não fui abordado com um "Então Gonçalo, tudo bem? Como tens passado, este tempo todo? Já te casaste? Um Feliz Natal meu amigo!"
Subitamente, uma terrível suspeita apoderou-se do meu ser. Seria possível o mais hediondo dos actos de falsa proximidade? Será que o astuto enviador de mensagens escritas, tão hábil na forma de simular proximidade sob a forma de um anódino desejo de Boas Festas teria mesmo de facto feito o impensável? Teria ele enviado a mesma mensagem escrita para todos ou quase todos os seus contactos, sem se preocupar com a especificidade de cada um deles? Se sim, que significa isto? Se ele o fez, será que desejava mesmo o bem a alguma das pessoas às quais assim chegou? Ou será que estamos apenas perante mais um acto de cortesia social? Será que fica bem enviar uma sms de natal? Se eu morrer este ano e o meu número ficar activo, será que ele para o ano me envia outra mensagem a desejar um Feliz Natal?
Este fenómeno não é novo, tem-se é recoberto de diversas formas. Veja-se o envio de emails. Já não falo do spam enviado por pessoas que criam caixas de correio especificamente para enviarem aleatoriamente publicidade a formas ilícitas de venda de produtos quejandos ao Viagra. Falo mesmo dos mails enviados por contactos que conhecemos e que todos os dias nos povoam a caixa de correio com tudo e mais alguma coisa, desde pedidos de ajuda para doentes à busca de dadores de sangue até aos mais ridículos mitos urbanos como "não lambas selos, caso contrário alojar-se-ão ovos de barata na tua língua". O email é uma poderosa ferramenta de aproximação das pessoas. Tenho um amigo australiano que neste momento está na China e que me pode responder quase instantaneamente se eu desejar falar com ele. Basta enviar-lhe um mail. No entanto, em vez de servir para estreitar estes laços de conexão entre as pessoas, aquilo que verificamos é que entre a publicidade e a ninharia, 99% dos emails que recebemos são mesmo lixo que só nos faz perder tempo. Para uma sociedade massificada, impessoalidade massificada. Ao que tudo indica, a impessoalidade chegou às sms's. O que é que pode levar alguém a escrever uma mensagem (ou talvez duas, uma para os homens e outra para as mulheres, sendo a mais picante aquela que se dirigir ao sexo oposto) e a enviá-la para 50 ou 100 destinatários diferentes? Será que a pessoa que o faz quer simplesmente espalhar o bem estar? Será que animados episodicamente por esta quadra festiva sentimos mesmo o desejo de amar o próprio como a nós mesmos? De lhe desejar todo o bem que para nós desejamos? Seria magnífico se assim fosse. Mas o que é que vale esse desejo se for vago? Temos que ter em conta que numa sociedade de comunicações em rede, em que o nº de conhecidos de quem possuímos o nº de telemóvel é enorme, os felizes contemplados com as felicitações empacotadas vai muito para lá daqueles a quem efectivamente queremos bem. Daqueles para os quais o nosso desejo é sincero. O resto é hipocrisia social. Culto das aparências que não resiste ao mais pequeno exame de intenções.
Se calhar até somos todos acometidos por um desejo absurdo e inexplicável de espalhar o amor e a boa disposição pelos outros nesta altura, seja de que forma for. E se calhar isso até é bom. Mas por favor, da próxima vez lembrem-se de mim. Não façam da minha identidade irredutível apenas mais um clique no botão enviar.
E já agora, Boas Festas para todos vós...
O observador inocente e bem intencionado tenderia a interpretar este notável fluxo comunicativo de sms's de Boas Festas como um sinal de proximidade agregadora. Tender-se-ia a louvar tal esforço, fruto quiçá de um notável fervor religioso ou pelo menos de uma preocupação genuína pelo próximo, pelo seu bem estar como pelo dos seus familiares. Tudo se passaria como se cada português se tivesse tornado subitamente num Pai Natal das comunicações móveis, distribuindo bem estar pelas caixas de correio dos seus semelhantes. Este observador até tenderia a dizer que o emissor atarefado realmente se preocupou com aqueles a quem desejou a melhor das quadras natalícias.
Pela minha parte, não me furto à responsabilidade de ter contribuído para o referido fluxo. Devo ter sido cotado bem próximo da média de utilizadores que enviou cerca de 27 mensagens nesse dia. Mas devo confessar que fui menos activo que reactivo. Tendi a responder a mais mensagens alheias do que a elaborar, por iniciativa própria e espontânea, felicitações enviadas por sms. É que tenho um n.º limitado de amigos próximos, daqueles com os quais genuinamente me preocupo e aos quais me dou ao trabalho de desejar o melhor do mundo. A verdadeira amizade tem que ser cultivada e constantemente reactivada por actos que a revitalizem, tais como... o envio de mensagens de natal. Mas fiz questão de responder a quase todas as que recebi. No entanto, se ao início me alegrava com cada pi pi emitido pelo telemóvel, cedo comecei a desanimar quando reparei que a esmagadora maioria das mensagens que recebia pura e simplesmente... não era dirigida especificamente a mim. Comecei a reparar que recebia imensas mensagens que não referiam o meu nome ou qualquer característica que pudesse indiciar que aquela mensagem não era algo como uma forma estereotipada enviada a 50 outros contactos. E recebi mensagens de pessoas de quem não tinha tido qualquer tipo de notícia (e será que assim o tive?) durante anos, de quem já nem sequer tinha o contacto. No entanto, curiosamente, essas pessoas não tiveram para comigo o tipo de curiosidade genuína que caracteriza alguém que está a contactar pela primeira vez em muito tempo um antigo amigo. Não fui abordado com um "Então Gonçalo, tudo bem? Como tens passado, este tempo todo? Já te casaste? Um Feliz Natal meu amigo!"
Subitamente, uma terrível suspeita apoderou-se do meu ser. Seria possível o mais hediondo dos actos de falsa proximidade? Será que o astuto enviador de mensagens escritas, tão hábil na forma de simular proximidade sob a forma de um anódino desejo de Boas Festas teria mesmo de facto feito o impensável? Teria ele enviado a mesma mensagem escrita para todos ou quase todos os seus contactos, sem se preocupar com a especificidade de cada um deles? Se sim, que significa isto? Se ele o fez, será que desejava mesmo o bem a alguma das pessoas às quais assim chegou? Ou será que estamos apenas perante mais um acto de cortesia social? Será que fica bem enviar uma sms de natal? Se eu morrer este ano e o meu número ficar activo, será que ele para o ano me envia outra mensagem a desejar um Feliz Natal?
Este fenómeno não é novo, tem-se é recoberto de diversas formas. Veja-se o envio de emails. Já não falo do spam enviado por pessoas que criam caixas de correio especificamente para enviarem aleatoriamente publicidade a formas ilícitas de venda de produtos quejandos ao Viagra. Falo mesmo dos mails enviados por contactos que conhecemos e que todos os dias nos povoam a caixa de correio com tudo e mais alguma coisa, desde pedidos de ajuda para doentes à busca de dadores de sangue até aos mais ridículos mitos urbanos como "não lambas selos, caso contrário alojar-se-ão ovos de barata na tua língua". O email é uma poderosa ferramenta de aproximação das pessoas. Tenho um amigo australiano que neste momento está na China e que me pode responder quase instantaneamente se eu desejar falar com ele. Basta enviar-lhe um mail. No entanto, em vez de servir para estreitar estes laços de conexão entre as pessoas, aquilo que verificamos é que entre a publicidade e a ninharia, 99% dos emails que recebemos são mesmo lixo que só nos faz perder tempo. Para uma sociedade massificada, impessoalidade massificada. Ao que tudo indica, a impessoalidade chegou às sms's. O que é que pode levar alguém a escrever uma mensagem (ou talvez duas, uma para os homens e outra para as mulheres, sendo a mais picante aquela que se dirigir ao sexo oposto) e a enviá-la para 50 ou 100 destinatários diferentes? Será que a pessoa que o faz quer simplesmente espalhar o bem estar? Será que animados episodicamente por esta quadra festiva sentimos mesmo o desejo de amar o próprio como a nós mesmos? De lhe desejar todo o bem que para nós desejamos? Seria magnífico se assim fosse. Mas o que é que vale esse desejo se for vago? Temos que ter em conta que numa sociedade de comunicações em rede, em que o nº de conhecidos de quem possuímos o nº de telemóvel é enorme, os felizes contemplados com as felicitações empacotadas vai muito para lá daqueles a quem efectivamente queremos bem. Daqueles para os quais o nosso desejo é sincero. O resto é hipocrisia social. Culto das aparências que não resiste ao mais pequeno exame de intenções.
Se calhar até somos todos acometidos por um desejo absurdo e inexplicável de espalhar o amor e a boa disposição pelos outros nesta altura, seja de que forma for. E se calhar isso até é bom. Mas por favor, da próxima vez lembrem-se de mim. Não façam da minha identidade irredutível apenas mais um clique no botão enviar.
E já agora, Boas Festas para todos vós...
2 Comments:
Olá 'Gonçalito'
Já tinha dito que gostaria de falar ctg sobre este post. Não falei...até agora. Mas pensando que vou falar ctg brevemente, mesmo assim, não resisti a preencher '0 Coments'...Por acaso já reparaste que ninguém fez qq comentário a este post, contrariamente ao k fizeram noutros? Porque será? Será que esse '0 Coments' confirma a mágoa que tens de não ter sido 'personificado' nos tantos sms's que recebeste? ...Mas, como 'estou ctg' naquilo que dizes, sou eu que mudo o '0....' em 1...
Confesso que qd falas de email para 'doar sangue' fikei um pouco incomodada, mas 'apenas' pk axo k já te enviei um em k pediam dador de medula...eu fui mas infelizmente, pelos probs de saúde que tenho e pela idade, não foi possivel e por isso recorri a alguns colegas por kem tenho mais afecto para o irem fazer por mim. LOnge de mim seguir 'os trâmites habituais' do envio de um email para 'alivio da minha consciência'. Nada disso. Os meus motivos foram outros bem diferentes.Bom...depois falamos melhor, por agora fica com '1 Coments'...Beijinhos
PS: Não me identifico por tenho a certeza k tu sabes kem escreveu este comentário. :P
Bermu (haverá mais pessoal que isto?), tens vou-me a razão! E acho que o problema com o nosso envio de sms, eu excluo-me desse pacote porque não enviei nenhuma, é grave por ser algo com custo: contas redondas 10 centimos a mensagem. Ou seja, cada portugues gastou em média €2.70 para se sentir bem consigo mesmo. Porque o dito chainmail não custa nada, aquilo com meia dúzia de clics vai para o resto do mundo. O problema é grave quando alguém gasta dinheiro com isso, porque somos forretas para muita coisa, mas parece que o Natal nos abre os cordões à bolsa! E pegando no exemplo do comentário anterior, que segundo entendi enviou um mail para alguém doar sangue e era de facto verdade. O problema é mesmo esse é a história do Pedro e do lobo, quando for verdade já ninguém acredita. Eu há muito tempo que deixei de reencaminhar a maioria dos chainmails, nomeadamente aqueles que diziam que a AOL ou uma cena assim dava 0.1 centimos ao menino do Arkansas que ficou sem braços e sem pernas por cada mail enviado, e reencaminhava apenas esses relacionados a pedidos de dadores de sangue ou medula. Até que um dia recebi um, que pediam sngue do meu tipo, e até davam um número de telemovel para ligar: liguei e não havia tal número. Foi o fim...
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